Tuesday, June 24, 2008

Fim do Mundo

Dizem por aí que foi Deus quem fez o homem. E que Ele o fez modelando-o a partir de um pedaço de barro; vai ver que é por isso que, desde então, toda vez que o homem tenta se encontrar, procurando saber de onde veio e para onde vai, ele acaba em um atoleiro. Das cinzas às cinzas, do pó ao pó, dizem por aí. Acabo imaginando que do barro ao barro seria mais apropriado.
Chico Science falava sobre o caos e a lama. A lama é barro e o barro é caos. E o caos é vida! Afinal toda vida tende a ordem e toda ordem tende ao caos, o caos que desordena, ensina e favorece o progresso.
Um comboio de carros seguiu uma estrada de barro; uma estrada de fantasia impossível onde era óbvio: a realidade pouco importava. Sem preocupações, sem misericórdia. Sem se importar com o amanhã. São Pedro (meu velho amigo de rixas inabaláveis) bem que tentou avisar. Mandou chuva severa durante dias a fio, até o ponto em que uns poucos lunáticos foram capazes de imaginar que o contrário do bom senso era mais valioso do que a falsa sensatez das pessoas de pouca fibra e muita pompa. Lunáticos que cruzaram os braços embaixo de chuva e, molhados, decidiram seguir com um plano maluco de desafiar a força da natureza, decidindo, por tabela, que só há um motivo para ir até o fim do mundo: voltar com histórias para contar.
E o comboio seguiu, aos trancos e barrancos, comemorando cada minuto de vitória sobre o atoleiro ou enfrentando cada obstáculo com minúcia... e embriaguez. A prova viva de que temos que ser um pouco apaixonados pelos nossos próprios deslizes para poder seguir adiante. Teimosia e desafio são separados por uma linha tênue, que se apaga com barro, lama, caos e principalmente amizade. E foi no barro e no atoleiro que muitos de nós foram capazes de enfir ter o encontro com suas próprias origens e destinos. O barro é revelador, assim como as situações devastadoras o são.
Você pode andar, você pode correr. Mas o que a gente aprende no barro é que a estrada nunca é uma linha reta. Talvez ela seja tão longa a ponto de ser uma curva sutil, como numa grande e circular pista de corrida. Mas um dia você chegará ao seu destino, e ele será rigorosamente o ponto do qual partiu. Essa é a prova de companheirismo do bicho-homem, companheirismo dubiamente deixado em segundo plano pelo alvoroço do julgamento que enfrentamos. Talvez o julgamento fora severo pelo fato de que, do fim do mundo, ninguém volta sozinho. Mas aí está uma outra prova de companheirismo e amor às causas perdidas.
Num mundo onde ninguem é idealista e todos tem tanta pressa de ser o que não são, ser taxado de irresponsável é ser elevado ao patamar de anti-herói. Sou idealista o bastante para gostar disso. Escolhemos passar por agruras e dificuldades. Cometemos erros, sim, mas não foi por mero escapismo. Foi apenas para entender que ainda há muito que se viver, que se ferrar, que se divertir, que errar, que acertar, que ir e voltar, que tentar melhorar, que se arrepender, que se desculpar, que batalhar para enfim querer o que se quer mas que ainda não se permite querer. Ainda mais quando a gente sabe que o que a gente quer de verdade é não querer nunca saber.
Tentar se entender é arriscado, mas no barro é inevitável. Cada um é o que é, e no dia de hoje ainda somos o que lá fomos. Talvez ainda faltem encontrar inúmeras respostas, mas ter participado de uma busca apenas, produz os mesmos resultados. Pago está o preço por não sermos tão medíocres; obviedade e sensatez, deixemos para os bons moços de paróquia, que vão procurar saber quem são só através das cartilhas de colégio. Para os que desafiaram o fim do mundo, resta transitar entre o céu e o inferno, entre o certo e o errado, entre o deboche e o verdadeiro desafio. Resta atolar no barro, em busca de amizade, afeto, diversão ou Deus, que seja. E é por essas e outras que, o que foi chamado de fim do mundo, hoje em dia eu também sei que devo chamar de meu lar.

* Homenagem a todos que participaram do Rancho do Fim do Mundo 2008, que fizeram dessa viagem um trampolim para se entender melhor, para repensar a vida, para aceitar de volta quem foi, para assumir que ainda hoje comete os mesmos erros e que sabe, do fundo do coração, que é capaz de fazer tudo de novo.

2 Comments:

At June 25, 2008 10:23 AM, Blogger Pedrinho said...

Nussa!!! lendo este texto, fui relembrando tudo o que houve nesse Rancho do Fim do mundo....

E como vc disse teimosia e desafio qse não há separação...hahahhaa.....como acertos e erros!!!hahahaahha....

Tudo q foi realizado lá, foi gratificante!!!Genial!!!

como seu texto...como sempre!!!

Muito bom!!

Um grande abraço!

 
At July 08, 2008 7:34 PM, Blogger Flávia Mello said...

lama a todos é o que eu desejaria se soubesse que ao menos grande parte pudesse se encontrar ali....como em geral não é de maiorias que podemos falar, só me resta felicitar a quem de direito:àqueles que viram no barro o ápice da liberdade e da amizade,àqueles que ali se sujaram de terra,mas se limparam de agruras...e que todos tenham a possibilidade de alguma vez na vida ter seus pés e suas mãos sujas de barro...eu já tive,sei o quanto me acrescentou!parabéns sábio luiz..parabéns anjo!sempre pontual e emotivo !

 

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