Wednesday, February 20, 2008

Realidade Fictícia ou Ficção Real

Ela vinha passando correndo, pisando até duro; eu caminhava no sentido contrário, molhado de chuva e aéreo como só após dias difíceis se pode ficar. Na rodoviária lotada o olhar apressado encontrou o olhar cabisbaixo e por instantes o momento pareceu congelar. Seguimos cada qual seu caminho, não sem antes que eu me virasse para quem sabe mirar pela última vez aquele quase sorriso que parecia surgir. E por cima do próprio ombro ela olhava também. "Vou voltar", pensei. "Não, não vou". Segui adiante.
Mais que depressa comprei um cartão telefônico para quem sabe suavizar a espera. Telefono e aguardo ansioso a resposta:
- A ligação está péssima.
- Só queria dizer que te adoro...
As palavras saem fluentes e os créditos chegam ao fim. Retiro o cartão do aparelho e só então vejo que trazia uma oferta estampada de um lado: compre o cartão telefônico e convide alguém para um cineminha. "Droga, perdi a chance de fazer um convite". Não foi dessa vez, mas guardo o cartão esgotado para uma proposta futura.
Ao meu redor só o que vejo são reencontros e despedidas, lágrimas e soluços de alegria e tristeza, de saudade em faces singelas com bochechas rosadas e pesar em carrancas rugosas e desacorçoadas. E é por isso que sempre gostei de rodoviárias. Ninguém está lá porque quer, e mesmo assim tudo parece tão vivo. Emoções transbordam e transpõem a barreira do orgulho muito mais do que sob a proteção das paredes das casas. E mesmo assim, nem sempre se entende que, para a paixão, a distância é mais produtiva do que a proximidade.
Me sentei encostado à lixeira e me pus a pensar na minha situação atual: vou e venho quando bem quero, cultivo o que necessita ser cultivado, não moro em lugar nenhum, mas moro em todo lugar; minha casa, minha rodoviária, meu planeta Terra.
Percebo que enquanto alguns novos vínculos sociais se formam à velocidade da luz, outros se esfarelam feito pão velho. Tento entender esses últimos. Uma intimidade se perdeu e com ela a vontade de trocar impressões. Mais dolorido que isso é sentir que a cumplicidade sucumbe entre duas pessoas quando as crendisses são mais influentes do que anos de convivência.
Lá vem o ônibus e é hora de parar de agir feito louco. Adentro o veículo e encosto a cabeça no travesseiro ainda molhado, e é claro, não durmo. Meus sentimentos me traem e minha auto-defesa se aguça. Só consigo pensar nas diferentes distâncias e suas consequências. Penso nas distâncias físicas, como a que está prestes a suceder assim que o ônibus partir, e nas emocionais, que são absolutamente mais doloridas pois são gigantescas mesmo que se divida com alguém um mesmo recinto. E nesse caso me refiro a alguém que, assim como eu, deixou para trás tudo aquilo que nos juntou.
Finalmente adormeço e a viagem segue tranquila. O veículo transpõe o portal que separa os momentos vividos dos momentos vindouros e acordo da minha viagem interna, a que inadvertidamente acabo fazendo e que me ilumina e reforça a certeza de que a vida é mesmo feita de escolhas e decisões, de que estamos sempre em construção, de que nada é eterno a não ser a mudança e de que tudo depende da maneira como encaramos nosso modo de agir e os nossos porquês. Cabe a nós decidir sob nossos preceitos o que queremos ser para nós mesmos; viver em translado, consertar velhos vínculos, agir por impulso, reforçar novos laços. Ser imprevisível e ter dinamismo para saber as respostas de questões que ainda não nos perguntaram, mas vão perguntar. E o pior, essas respostas ninguém nos ensinou. Parece loucura. E é, mas eu não me importo. Porque somos, enfim, um bando de loucos fodidos. Mas acima de tudo somos todos loucos apaixonados.

7 Comments:

At February 20, 2008 5:27 PM, Blogger Flávia Mello said...

é..definitivamente para a paixão a distância é mais produtiva do que a proximidade..como eu não concordaria com isso?!
Em verdade,ser uma alma do mundo e voar livre, é melhor do que se ater a terra infame que nos aprisiona...assim tudo parece sempre vivo..como em rodoviárias..sabemo-nos lá, mas nunca lá estamos...estamos sempre de passagem...as diferentes distâncias só nos mostram o caminho a seguir..ou aquele a ser trilhado de volta para casa...
os vínculos a que vc se refere, penso eu que não se perderam,nem se esmigalharam,apenas estão adormecidos,sob o céu dos erros,sobre o chão dos desencontros!
sê imprevisível..mas sê sempre aquele anjo...anjo de luz...realmente não há que lhe dê as respostas,a não ser seu coração...lindo coração...
-só queria dizer que te adoro...

 
At February 21, 2008 9:33 AM, Anonymous Anonymous said...

Exemplo clássico daquela perda que nos lamuriamos, o resto da vida, alegando ser a oportunidade perfeita, A Chance...rs Acho que o lance da rodoviária é uma sacada sua pq, no fundo, todos nós temos este mesmo sentimento. Os que não gostam, não lidam bem com as mudanças....Eu tb curto pra caramba, justamente por esse ar de "começou, acabou, pode ser..." Putz, quantas pessoas eu fico observando lá poderiam ser parte da minha vida!!!! Tolice para muitos? Pode ser... Para uma pessoa q chega 2 h antes da partida, não! rs Eu curto aquele ambiente tb, mas pq é uma mistura de medo e desejo...loucura né?? Eu sei, mas eu me sinto assim toda vez... e sempre vou com a sensação de que emcontrarei algo arrebatador!!! Eita coisa pueril!!!!rs
"Mais dolorido que isso é sentir que a cumplicidade sucumbe entre duas pessoas quando as crendisses são mais influentes do que anos de convivência.' Quanto a isso(eh percepção fudida!) posso dizer, assim como a Flávia sobre os vínculos, que não se perdem, apenas enfrentam batalhas num eterno caminho...
Por isso adoro a Fenix,pois representa muita coisa para mim... Não diria que a cumplicidade apenas sucumbe...qdo isso acontece ou acontecer, ela renascerá das cinzas...pq é forte, pq não é matéria que se desintegra, pq construímos com muita coisa além das crendices ... Mas, como tudo na vida, existe uma particularidade muito grande sobre a cumplicidade, assim não fica meu desacordo, apenas meu ponto de vista...Ahhh não deixando de dizer que fico muito feliz ao ler sobre sermos loucos apaixonados... Vai lá meu irmão!!!! Olhe o brinde que vem junto ao cartão telefônico, não deixe passar mais uma vez...rsrsr Adoro vc! Abraços

 
At February 21, 2008 9:38 AM, Anonymous Anonymous said...

Ahhhh emcontramos não né????CORRIGINDO O ERRO DE DIGITAÇÃO : encontramos...

 
At February 25, 2008 10:13 PM, Anonymous Anonymous said...

Distâncias que encurtam ainda mais os sentimentos! Há situações em que paramos para pensar: puts, quanto mais longe fico da pessoa, mais estima sinto por ela. É fato, em qualquer tipo de relacionamento. Tenho amigos perto e longe de mim que não tenho tanta estima, porém há aqueles que por mais longe que esteja, eu sinto um elo de ligação cada vez mais forte. No namoro é mais ou menos parecido! A diferença é que com amizade se tem a liberdade, e para se ter felicidade temos que ter a liberdade. No namoro só temos a felicidade completa quando se está com a pessoa, caso contrario pode te levar do céu ao inferno, em questões de palavras ou certas atitudes. Mas são privilegiados aqueles que consegue ter esse sentimento cada vez mais ativo, um sentimento bom, um sentimento de ter a felicidade com a pessoa, sem a pessoa, em um bar com amigos, mas está com a pessoa em pensamento. Juro que fui assim um dia, o que me salva é o fato de saber dividir certas ações, atitudes e sentimentos para estar com ela ou com amigos. E assim se leva a vidinha...

Sobre o ultimo comentário, escolhas erradas foram feitas para voltar atrás, isso não é ruim. Saber voltar atrás quer dizer que não irá ter tropeços mais considerados à frente. “Jovens” são loucos fodidos, amam e são apaixonados por pessoas, os “homens normais” fazem arma, fazem a guerra.

 
At February 26, 2008 5:23 PM, Blogger Unknown said...

This comment has been removed by the author.

 
At February 26, 2008 5:25 PM, Blogger Unknown said...

Menino,
acabo de ler um dos seus melhores textos na minha singela opinião,uma histórinha fabulosa que me cativou!
A distância...
As paixões...
As decisões...

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é."

Ah, muito bom!

=*

 
At March 03, 2008 10:52 PM, Blogger Pedrinho said...

Bichão, pô nem sabia deste texto!hahahahaha

mas como sempre, perfeito...

..viva as distâncias bichão, tanto aquelas físicamente como as emocionais!!!Um viva que através delas podemos ver talvez nossos erros, e melhorar, ou pelo contrários ver nossos acertos e melhorarmos de novo!!!Buscar o melhor sempre!!!

Fugir da distância é impossivel, e também não concordo em aceitar conviver com ela,vivemos uma faca de dois gumes certo? mas sei lá devemos sempre tentar aproximarmos!!!

Tentar melhorar é sempre o melhor caminho!

Abraços, parabéns pelo texto!Fantastico!!!!

 

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