Thursday, November 20, 2008

Quem está Livre, Quem está Preso?

*Depoimento do primo e grande amigo Pedro Orlandini, mais um que nos ensina a ver o mundo fora da bruma de competição, medo e possessão:

"Ontem eu estava pensando nisso tudo sabe, acabei indo numa mansão, de meu tio, na represa de Ribeirão Claro; fazia um tempo que eu não ia lá, sabe, e puxa cheguei lá ele tinha murado a casa, com um muro lindo, e colocou cerca elétrica...

Perguntei qual era a intenção de colocar uma cerca elétrica em um lugar que você vai pra se divertir e tal. Antes o esquema lá era uma mini-vila onde todos os vizinhos se conheciam, onde cada dia um fazia um churrasco e ninguém precisava dar a volta pra ir até lá, era só ir, nem avisava nem nada.

Às vezes não entendo todo esse medo, todo esse lance de ter "privacidade", onde você perde a liberdade. Puxa fiquei triste quando vi tudo aquilo, e falei um monte! Aí ele foi lá e cortou o arame que dava choque!"

Wednesday, November 19, 2008

Lições de Antes, Lições de Agora

*Mais um relato expoente entre os históricos, cheio de luz, vida, razão e otimismo, pertencente antes de mais nada à Flávia de Mello, transcrito, creditado, e transformado em texto de cabeceira para mim:

"Esses dias eu estava sentada no chão mesmo, no fundo de casa, deixando meus jabutis soltos; comecei a ver a água que irrigava a mini-horta escorrer pela mangueira, tipo escapando na torneira. A água lá escorrendo, e eu colocando folhinha pra ver ir embora na água... Como eu adorava fazer quando criança, sempre que via um rio.

Fiquei pensando nas coisas que me faziam bem nessas terras; os pássaros doidos voando, a familia desfalcada de corujinhas, a hortinha... O poder andar descalça na grama - sim, eu tenho um gramadão só pra mim -,ver os jabutis descobrirem novos mundos, ver o gato Ozzy rolar no chão pra chamar minha atenção. E lá ia a folhinha... e eu lá, sentada no chão feito criança, de pé sujo no barro de ir atrás dos jabutis.

E eu tive uma baita lição; na verdade, eu rememorei a lição que os rios sempre me davam na infância. A lição de que muita coisa acontece, muita água corre, e nunca é a mesma água. Mas o rio, seja aqui em SP ou no Paraná, sempre vai ser o mesmo rio: EU SOU O MEU RIO."

Voltando a Viver

*Dando sequência à série de relatos históricos de pessoas especiais, segue depoimento de Lidia Orlandini Feriato, prima e grande amiga nascida no interior, que foi para São Paulo e agora faz o caminho de volta:

"Essa faculdade é tão tranqüila que me sobra tempo pra fazer essas coisas gostosas que tinha me esquecido... Dá uma sensação legal fazer aquilo que a gente gosta, que dia bom!

Minha vida está mais adaptada ao interior. Comecei a vivenciar o the simple life, sem barulho, sem carro, sem trânsito, sem McDonalds (disso ainda sinto falta), sem dinheiro, etc. Só tenho sentido falta de uma/um companheiro tipo o Bêra, esse danado me faz uma falta e acho que ele nem sabe que me faz falta...

Minha casa (pareço o E.T. falando) está muito legal. Já tenho geladeira e fogão, herança da Priscilão, e conseqüentemente a edição especial de latas comemorativas da Brahma na minha geladeira!

Do lado de casa passa a linha do trem e o trem ainda passa aqui. Uma delícia escutar o apito e saborear a fumaça do trem. Dá uma nostalgia, o bendito mexe comigo! Toda vez que vejo ele passar eu escuto "Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis...". E por falar em montanhas, a vista de casa também é assim, o pôr do sol aqui é um espetáculo."

Monday, November 17, 2008

Para ver o Futuro (ou: Como fazer Jus ao Tempo que Temos)

*Depoimento histórico do grande amigo Eduardo Henrique, também conhecido como Bêra-mar, devidamente transcrito e creditado:

"A coisa que eu mais odeio é relógio. Falo isso sempre com alguém que está na balada e fica perguntando que horas são. Pra quê? Já tá na rua pra chegar tarde, não importa o horário, é tarde sempre depois das duas da manhã; três horas a mais dá na mesma coisa... outra coisa que eu odeio é ter que almoçar rápido pra voltar pro trampo. Eu brigo com todo mundo que engole a comida sem mastigar direito, sem sentir o gosto. O tempo que temos para comer é o tempo de comer, não o tempo que nos dão para poder engolir algo; a refeição é um momento só nosso que deve ser aproveitado ao máximo sempre, com prazer e calma, sempre degustando aquilo que está no prato.

Meu sonho é poder morar num lugar onde o leiteiro passa, para trocar a garrafa de coca-cola de um litro (de vidro) vazia por uma cheia, onde as pessoas botam o tapete no muro pra pegar sol, onde o vizinho me deixa pegar um pouco de cheiro verde da hortinha do quintal, vai ter quintal de chão batido na minha casa e vou plantar uma mangueira, vou pendurar um balanço de pneu e corda nela; na minha casa ainda vai ter varanda que vou pendurar uma rede, vou arrastar as cadeiras pra fora em noites quentes pra ver as pessoas passarem na rua; em dia que tiver muito pernilongo, vou tirar todo mundo da casa pra passar veneno, meu telefone será de disco e vai fazer aquele barulho de despertador que tem que dar corda, vou ter esse despertador também.

Nesse lugar o jornaleiro anda de bicicleta, outro vizinho me pede emprestado uma travessa pra esposa fazer pavê, minha mulher vai ter que saber cozinhar pra gente receber as visitas. Os amigos vão em casa jogar cacheta enquanto a criançada corre e faz barulho, a sogra vai pra ver como está a filha e criticar tudo o que o genro faz, o cunhado vai pedir grana emprestada domingo à noite; domingo é dia de assistir filme e andar de bicicleta, pra não falar com ninguém é só tirar o telefone do gancho, o patrão mora na rua de baixo, todo mundo guarda umas garrafas de tubaína (que também são de cerveja) embaixo da escada ou na garagem, os filhos dos amigos passam o dia em casa e os meus passam um dia na casa deles também, namorar só depois que a mulecada dormir.

Dizem que eu não penso no futuro, mas eu penso sim, penso no MEU futuro, por isso tenho que planejar fazer aquilo que eu gosto, não tenho que seguir nenhum modelo de sucesso ou uma receita pra se dar bem na vida, quero viver o que tem de melhor na vida a cada momento.. na minha concepção, sucesso é ter tudo aquilo que desejamos, mas também é ser tudo o que queremos ser, antes de tudo. O mundo será um lugar melhor quando as pessoas decidirem o que querem ser para si mesmas e não como elas devem parecer para os outros, temos que quebrar o espelho da vaidade e dar mais valor às coisas simples da vida. Posso estar certo ou errado mas são meus erros e meus acertos, não quero descobrir só no fim da vida que o que fiz foi certo ou errado, mas saber que o que fiz foi o mais certo que pude fazer. Meu maior medo não é morrer, aceito a morte como algo inevitável e necessária. Meu maior medo é viver sozinho. Graças a Deus (acho que ainda acredito um pouco nesse cara) estou cercado de amigos e tenho minha família, e que essa verdade perdure por longos anos..."

Thursday, November 06, 2008

Para Você

Aninhada,
em meus braços você resistiu
até mesmo às perdas mais dolorosas,
como criança,
quando perde o brilho da infância,
ou o bicho de estimação
que nem mesmo chegou conhecer.

Abraçada,
em meu colo sonhou,
não sem destreza,
todos os sonhos do mundo;
a mistura do arroz
com feijão,
a certeza de que, miudinha,
caberás sempre na palma da mão.

Quero você sempre assim,
menininha,
menina-mulher sonhadora,
sem medo do mundo,
no fundo, sabendo ser só saudade.

Levando a bagagem da vida,
os gigantes moinhos de vento,
os contos das fadas Sininho,
o caderno há muito esquecido.
Carregando até mesmo as esquinas,
o sonho e a sina do violeiro,
o chão molhado de chuva e de lágrima.

Vejo você sempre assim,
recebendo do mundo
carinho e afago;
do vento, a bênção divina,
e o amor, do meu coração;
encorujada feito corujinha no ninho,
esbanjando alma ainda me espanta.
Que bom; de mãos dadas,
a caminhada sempre se encanta.

E quando as portas da Arca se abrirem
não serão fracos os que virão logo atrás.
Virão São Francisco e os patos,
abençoando o momento calados,
como as preces do Deus-menino.
E então, miudinhos, caberemos enfim
em palmas de mãos como as nossas,
pois nelas,
caberão sempre o tamanho todo do mundo.

*Para ler ouvindo Toquinho e Vinícius de Moraes (A Arca de Noé, Menininha, O Caderno, Corujinha, São Francisco), O Teatro Mágico (Pratododia), Almir Sater (Um Violeiro Toca), Legião Urbana (O Mundo Anda Tão Complicado) e ouvir lendo Dom Quixote e Peter Pan.