Tuesday, October 06, 2009

Todo Homem

Os prédios residenciais eram tão altos que cada translado entre o solo e um apartamento durava pelo menos quinze minutos. E isso porque a tecnologia avançara tanto que o emprego de sistemas pneumáticos, à vácuo e a hidrogênio já não era novidade, nem mesmo para os elevadores.
Cada cidadão tinha direito ao seu próprio elevador. As pessoas chegavam do trabalho em seus carros blindados com ar-condicionado, frigobar e filtro UV, os estacionavam de frente ao aparelho e o tomavam, de modo que cada elevador desembocava direto na sala de estar do apartamento do morador.
Conforto? Não. Era necessário, afinal depois que o tempo livre se tornou tão escasso a ponto de se valorizar mais do que ações imaginárias na Bolsa de Valores, as pessoas faziam qualquer coisa por uns minutos livres a mais.
Em um mundo onde o trânsito consumia pelo menos 4 horas diárias dos seres humanos, os elevadores pessoais cujas viagens duravam 15 minutos logo se tornaram também lavanderias e banheiros com chuveiro. O cidadão entrava, se despia - automaticamente depositando as roupas na lavanderia particular - e tomava banho antes mesmo de chegar ao apartamento. No dia seguinte, as roupas estavam limpas e secas para serem utilizadas novamente.
Já não haviam mais casas com quintal; nem casas. Não haviam banhos demorados. Não haviam varais com roupas velhas, nem brinquedos que não fossem digitais, nem mesmo brinquedos físicos: eram todos projeções, pois a falta de espaço era implacável. Não havia contato pessoal, jamais. Afinal, todos achavam o mundo perigoso. Qualquer ser humano era uma ameaça em potencial. Pudera, se nem mesmo no elevador encontrávamos mais com as pessoas. Os relacionamentos, esses sim, eram sempre agendados por alguma rede social online. Sempre acompanhados por um mediador.
Aquele mundo onde todo homem deveria plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho já havia ficado para trás há muito tempo. Naquele tempo, os homens já tinham adaptado este provérbio para algo muito mais atual, como se para todo homem, plantar uma floreira, escrever num blog ou no Twitter e cuidar de um bichinho virtual fosse justamente o suficiente.

1 Comments:

At October 07, 2009 8:54 AM, Blogger Pedrinho said...

A tendência é exatamente essa, o medo de se relacionar, o medo de viver, e de encarar a vida e junto suas consequências vai nos levar a esse mundo aí. INFELIZMENTE.
Excelente texto como sempre, parabéns!
Que a força sempre esteja com vc, espero nós estarmos fazendo nossa parte para essa tendência não ocorra, pelo menos por ora.
Um grande abraço meu caro!

 

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