Friday, June 26, 2009

Moonwalker

Finalmente nossa geração pode se dizer orgulhosa dela própria por presenciar e participar de um momento tão singular como esse. É como presenciar a eclosão da Segunda Guerra Mundial, ou mesmo a morte de John Lennon. O sentimento é o mesmo. Tudo bem que no meio do caminho tivemos o nosso próprio 11 de Setembro para saciarmos nosso desejo de vislumbrar como o mundo pode ser cruel às vezes, e nós também já tivemos perdas tão irreparáveis como a morte de Tony Wilson, ou de quaisquer amigos anônimos. Mas agora é a hora que todos esperávamos, a hora de fazer da história coletiva um pouco a nossa história também. Nós estamos vivendo os dias de morte de Michael Jackson.
Então, Michael Jackson morreu. mas podia ter sido o dono do bar da esquina, podia ser qualquer um. Podia ser você, ou alguém que sequer conhecíamos. Então você pode voltar ao início do parágrafo e remover o nome dele de lá, e na lacuna restante escrever o nome de quem bem entender. Faz pouca diferença, porque todo famoso sonha em ser anônimo e todo anônimo sonha com a fama, assim como todo mundo sonha em ser o que não é ou ter histórias para contar. Além de que toda perda traz consigo uma tendência de desfrutar desse momento onde mais e mais pessoas provavelmente se sentem como você.
Ele era um pouco de todos nós. Ser humano, e todo ser humano, herói ou não, representa uma espécie de vitrine cuja maior virtude é demonstrar dados úteis para fins de comparação. Essas vitrines são como espelhos, desejamos avidamente fazer parte do que está exposto; ora elas são tudo aquilo que sempre quisemos ser, e de repente são também tudo aquilo que repudiamos. E que acabamos sendo também. Ele era uma instituição tão forte que a gente sente como se fizesse parte do nosso dia-a-dia, algo como um patrimônio mundial da Unesco; perdê-lo é como acordar num dia qualquer e imaginar como seria o mundo sem a Torre Eiffel, ou a Estátua da Liberdade, a Monalisa ou o Cristo Redentor. Sem seu melhor amigo. Sem qualquer um de nós. É como imaginar o mundo sem Kurt Cobain, Ian Curtis ou Airton Senna. O mundo ainda precisa deles.
Nós como seres humanos precisamos de heróis para despejar nossas frustrações, e todo ser que é mítico para nós carece da razão que quase sempre nos sobra, enfatizando a sua própria loucura e genialidade como forma de válvula de escape, um mecanismo além da compreensão para quem leva vidas como as nossas, de meras donas-de-casa amestradas.
Não vamos falar dos acertos ou erros. Tampouco de sucesso ou fracasso, ou da influência na cultura pop. Está fora de cogitação julgar alguém que fez da vida uma tentativa de suportar menos as mazelas do mundo, justamente por outrora ter suportado mazelas demais. A cruel comunidade midiática o chamada de Wacko Jacko ("Louco Jackson"). Talvez fora mesmo um louco insano; ou talvez apenas uma criança crescida demais.
Uma criança poderosa porém frágil, a criança que por ser a dona da bola acaba sempre decidindo se a pelota vai rolar ou não na pelada da rua de cima. Uma criança vítima de si mesmo como todos nós, vítima de um mundo antagônico, presa eternamente numa Terra do Nunca distorcida e triste. Todo ser humano vivo é mesmo um pouco vítima de si mesmo.
Infelizmente, para algumas dessas vítimas, deixar a vida implica em tornar-se, sem direito à reação, uma vítima submissa do mundo todo. Submissa das "verdadeiras histórias" que pouco a pouco vão surgir, submissa também das boas lembranças e do senso de idolatria que acomete todos os homens, mais dia menos dia. "Ele me devia 5 paus", ou "era meu melhor amigo, mas nem por isso deixou de me usar" é o que ainda vamos ouvir por aí. E pode ser que ele nunca tenha desfrutado do amor de verdade.
Nalgum momento do filme MIB, alguém faz uma piada mencionando que na verdade Elvis Presley não morreu, mas sim "apenas voltou para casa", sugerindo a ideia de que Elvis Presley, sendo um ser de outro planeta que convivia conosco, finge a própria morte quando acha que é hora de partir. Não sei vocês, mas a respeito de Michael - que aliás também atua em um dos filmes da série MIB encarnando um E.T. - eu, que nunca conheci Jacko, prefiro dizer simplesmente: "Boa viagem, Michael, que em seu planeta você se sinta mais em casa do que jamais se sentiu aqui. Pague uma bebida para Janis, para Jim, para Layne, para meus amigos e parentes que daqui se foram, 'ande na Lua' com todos eles... E obrigado!"

"A bebida agora tinha um porquê, foi em homenagem a ele, as imitações da dança dele entre nós, nos trazia a lembrança das tentativas frustradas de seu passinho para trás (pelo menos no meu caso)..." (frase de Pedro Orlandini)

1 Comments:

At June 26, 2009 2:42 PM, Blogger Flávia Mello said...

parabéns, genial...lindo texto, Luiz!Impressiona como vc bem coloca a sensações todas que nos acometem em horas assim, sentimo-nos um tanto órfãos e por vezes, orfãos de nós mesmos...
tem razão, não cabe aqui falar de fama, fracasso ou erros, cabe falar de vazio, do incômodo sentimento que eu ouso susbstituir por pontos de interrogação, talvez, de reticências...

 

Post a Comment

<< Home