Wednesday, December 19, 2007

Por Enquanto e para Mim Mesmo

Quando bate a saudade, invariavelmente nos lembramos de coisas que a gente nunca deveria esquecer, mas esquece. Às vezes tenho saudades dos tempos em que eu nada sabia. Bastava o leite materno, o colo do pai, a infância um pouco mais pura do que a dos dias atuais, que é tão bombardeada por influências estéreis.
É uma lembrança difusa, quase onírica e disforme, que eu nem sempre sei ao certo se existiu de verdade. Mas desperta em mim de um sono profundo um lado meu meio criança, meio filho de outrora... Lembro do cheiro de casa, das cores do dia, dos raios de sol da manhã, da música ao fundo. Tudo com cara de foto antiga, amarelada pelo tempo e pela nossa velha mania de esquecer coisas que deveríamos nos lembrar para sempre. A gente não deveria, mas se esquece.
Se esquece das noites em claro dedicadas a nós pelos nossos pais, das canções de ninar e dos bolos batidos nos meios de tarde, dos cafunés e das preocupações sinceras ao menor sinal de doença. Se esquece do esforço renhido de quem pouco tinha mas se esforçava para dividir, e quando damos nossos primeiros passos, aí sim esquecemos dos colos e afagos; quando apanhamos na escola esquecemos da proteção prometida e passamos a crer que é preciso resolver tudo sozinho; e quando conhecemos o amor, ou melhor - aquilo que achamos que é o amor - nos esquecemos do amor de mãe e não admitimos mais conselhos, nos tornamos dispostos a cair sozinhos na armadilha espinhenta, até que a frustração bata à porta e então voltamos correndo ao encontro da única coisa que resta, que é a saudade.
Muitas vezes nossos pais nos enchem e nos cansam. Os conselhos ou são enfáticos demais, ou muito superficiais... Nossos pais muitas vezes querem que a gente seja aquilo que eles próprios são. Ou querem que a gente seja o que eles gostariam de ter sido e não foram. E nessas horas a gente nunca se lembra dos sussuros aos nossos ouvidos ou da árvore de Natal enfeitada em conjunto. Nem se lembra das risadas, dos banhos de mangueira de verão ou do urso de pelúcia que se distancia cada dia mais e mais.
E a saudade um dia vem porque a gente se toca que eles só nos querem bem. Quem disse que a independência depende de não depender de cuidado nenhum? O que faz com que as mães sejam mães é a tolerância e a aceitação. E as mães um dia serão avós e ser avó é ser mãe duas vezes, e quando houverem filhos nossos filhos serão bons filhos quando nossas mães forem boas avós, e elas sempre nos aceitarão como filhos, e nossos filhos como netos, independente de qualquer circunstância.
Muitas coisas eu esqueci, outras eu acabei por lembrar. E entre todas as lembranças, a minha favorita é da minha mãe cantando Clareana, "No ventre da mãe / Bate um coração / De clara, Ana / E quem mais chegar". Essa lembrança eu nunca esqueci. E será sempre meu mantra de aceitação, a minha saudade fundamental para entender que somos todos feitos de amor e doação.

4 Comments:

At December 19, 2007 6:55 AM, Anonymous Anonymous said...

Não vou nem tentar expressar o q vc fez de maneira tão genial...afinal, é para vc msm e, de um outro ãngulo, para mim tb...
bjs

 
At December 19, 2007 10:22 AM, Blogger Flávia Mello said...

amor e aceitação...lembranças,saudades: toda a rima que deveria soar na vida da gente, e que em virtude de uma nuvem qualquer d eintriga ou distância se dissipa e vai se perdendo bem no fundo de nós mesmos...Mais uma vez senti um ruflar de asas..anjo que é anjo canta a saudade sutil assim,respira a lembrança arraigada e expira a vontade da regressão;regressão não ao útero,mais ao colo,ao cafuné,ou ao bolinho do meio da tarde...vc me fez ser a flávia moleka em segundos(akela flávia que as vezes teima em reaparecer...felizmente...,quando se trata de fazer alguma"arte")..vc fez a flávia que escalava árvores,mandava e desmandava na turminha e desaparecia o dia todo indo a caça de vampiros,querer colo de novo..o mesmo colo que em meio de tanto sentimento difuso,as vezes desprezei e que no inconsciente me faz tanta falta a ponto de se tornar visível!Obrigada por mais uma vez me emocionar...dar luz aos resquícios de mim mesma que teimo em deixar para trás,mas que me acompanham feito sombra...ora diminuta,imperceptível,ora gigante,imponente!
obrigada por mais uma lição do que é ser humano...
obrigada por eu ter que ter uma lição dessa.diretamente do plano superior, pelas mãos de um verdadeiro Anjo!Adoro você anjo meu!parabéns por mais um deleite desses...

 
At December 19, 2007 12:12 PM, Blogger Unknown said...

Ô menino, como é bom "sentir" suas palavras...
Justo hoje, onde me vejo serelepe de ansiedade por amanhã me reencontrar com meus verdadeiros amores: meus pais!
Me emocionei e refleti sobre essa "independência" que almejamos, principalmente na fase que me encontro. Não passa de uma idéia ilusória, pois como você mesmo disse, a lembrança e a saudade sempre vencem na hora que mais precisamos de afeto, não existe amor maior do mundo do que o de uma mãe pela sua "cria"...rs
Ah, é como bom ter essa certeza de que amanhã vou sentir o maior amor do mundo!

Vou terminar de arrumar minhas malas!
=]
Texto fabuloso...
beijos

 
At December 19, 2007 12:21 PM, Blogger Pedrinho said...

Sabe bichão, ontem estvámos falando disso, não com tanta sabedoria, mas estávamos falando sobre o amor, e todos que estavamos lá em frente a escadaria ao lado do bar dos estudantes falaram: SÓ EXISTE UM AMOR!!!!AMOR POR SUA FAMILIA, AMOR DE MÃE!!!

O resto meu amigo, é resto!!!hahahhaha...

um grande abraço, e obrigado mais uma vez por ser esse grande transmissor de como ser humano!!!você ensina, como devemos levar nossas vidas!!!

Obrigado!

 

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