Thursday, January 31, 2008

Liberdade e Tolstói Invadem o MSN

Há alguns dias atrás, eu e a Liege estávamos tendo uma conversa corriqueira, até quase amena, sobre coisas do dia-a-dia. Eis que a Liege me apresenta a uma frase de Léon Tolstói, que desencadeou uma discussão filosófica mais ou menos como a que segue:

- Vou pegar um trecho de uma coisa do Tolstói para você ver: "Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência". Estava pensando o que é que eu penso disso de verdade. E eu penso que existe gente escrava da liberdade. E que, talvez (estou refinando isso aqui na minha cabeça ainda), os livres de verdade sejam aqueles que nem sabem que são livres...

- Eu penso exatamente a mesma coisa; inclusive eu mesmo me submeto a essa escravidão. Acho que a liberdade me prende às vezes. Por exemplo, em um relacionamento. Um relacionamento traz com ele certas obrigações, e essas obrigações geralmente afetam a liberdade diretamente. Então se eu negasse um relacionamento por conta disso, passaria a me ver como escravo da liberdade. Agora, em contrapartida, se eu busco a verdade, e vejo a liberdade como consequência, tudo depende do valor que eu atribuo à verdade. Se encaramos tudo de maneira leve e honesta, se admitimos que tudo pode acontecer em um relacionamento e se nos propusermos a encarar isso tudo sem tempestades, a liberdade vem com o tempo e não precisamos nos prender a nada.

- Porque a liberdade depende da ordem de importância das coisas para você.

- Será então que buscar a verdade é dar menos importância às coisas? Pensando bem, como se define uma palavra que define outras, como a palavra liberdade? O que é liberdade para você?

- Se eu amo alguém, ser livre é poder estar com essa pessoa...

- Ser livre é poder não estar também.

- Sim! Senão você acaba escravo do sentimento. Mas acho que é simples, e é isso que Tolstói quis dizer. Nas minhas palavras eu diria assim: "viva e seja feliz!", sem procurar tanto, entende? Porque essas coisas vêm como consequência.

- sim, mas a pessoa nesse caso poderia viver sem ser livre e mesmo assim ser feliz.

- Viver sem ser livre... e ainda assim ser feliz... não sei se dá.

- Se uma pessoa valoriza que alguém a domine, por exemplo, ser livre seria o pior dos mundos. Mas muitas vezes a felicidade não está vinculada aos acontecimentos. Eventualmente, no caso de alguém que teme uma possível traição: a pessoa vê seu cônjuge batendo papo na fila do pão e já sente ciúmes. Essa pessoa não está livre, porque enxerga uma falsa verdade. Acha chifre em cabeça de cavalo. Mas se a pessoa não vincula sua própria felicidade com o fato de ser ou não traída, se sua felicidade não depende desse acontecimento, isso não tem a menor relevância.

- A liberdade depende do seu momento. A visão de liberdade muda de acordo com o nosso momento! E é por isso que a gente não pode se preocupar tanto com ela, e viver aquilo que a gente acha que é de verdade. A liberdade vem como consequência disso.

Eu também acho, Liege. Não sei se Tolstói ficaria orgulhoso ou se preferiu se revirar na tumba, mas uma coisa é verdade: a visão de liberdade muda de acordo com o nosso momento. Mesmo assim, aprendemos a pensar dentro de certos parâmetros, e nos esquecemos que mesmo o nosso conceito de liberdade é parametrizado pelo comportamento da sociedade e por suas forças que exercem influências tremendas. A liberdade hoje em dia custa muito caro, e quem acha que a tem não a troca por nada, e quem crê que não a tem faria as piores besteiras para finalmente consegui-la. Ninguém deixa de ser livre por ninguém e talvez os mais livres (se é que se pode medir algo tão subjetivo) sejam mesmo aqueles que possuem avaliação mais limitada, ou talvez os mais livres sejam aqueles capazes de encarar que todo ato traz consequências. Afinal, talvez Tolstói tenha tentado nos dizer enfim que somos todos livres não para buscar a liberdade, mas para assumir que, ser livre para tomar qualquer atitude que se queira necessita coragem para se ver responsável por todas as consequências produzidas. Afinal, o que mais pode ser encarado como verdade absoluta que não a lei das ações e reações?

Friday, January 25, 2008

Holden Caulfield, um Lago, alguns Patos e Sentimento

Me lembro bem que, quando li "O Apanhador no Campo de Centeio", fiquei muito tocado com a passagem onde o Holden, personagem principal, se pergunta para onde vão os patos do lago do Central Park quando chega o inverno. Se alguém os tira de lá, se alguém os acomoda em outro lugar, se eles voam embora...
Vi essa questão na época como algo que vai muito além da preocupação com o fato de que os patos não resistiriam às condições do clima; vi nesta passagem um questionamento feito por alguém que sente que perdeu muita coisa, que se pergunta se existe de fato alguém por aí que enxergue este mundo, que entenda seus sentimentos e a importância desses momentos singelos e angustiantes para as decisões da vida mundana.
Lembrei disso recentemente, de maneira muito nostálgica. Lembrei quando vi a mim mesmo caminhando sozinho há uns dias atrás ao redor de um laguinho, embaixo de chuva, enquanto esperava uma pessoa muito querida. E lá estavam os patos, apenas eu e eles, o lago (ou "espelho d'água, como essa pessoa prefere chamá-lo), a chuva, e a ansiedade da espera. E então me perguntei porque é que lá estavam os patos, embaixo de chuva, se eles podiam muito bem se cobrir? Porque é que ninguém os tirava de lá? Será que alguém se importava com eles?
Senti como se coisas pequenas importassem muito pra mim. E importam. Esses momentos únicos, que produzem sentimentos profundos, marcam para sempre. Caminhar sob a chuva ao lado de alguém especial ou sozinho com seus pensamentos, procurando entender o que o mundo significa para nós. Porque o mundo é o que você sente, e o que você sente está contido nesses momentos.
Você tem razão Flávia, o lago é mesmo um espelho d'água, e eu me olho no espelho e me vejo sensível, um menino-crescido que não sabe se a gota que cai vem do céu ou dos olhos, e me pergunto se aqueles patos são de verdade ou apenas uma ilusão para que eu me lembre da infância, dos passeios ao zoológico, dos sentimentos primais de amor e carinho; será que representam os amigos que perdi ou os que ainda virão? Será que representam os meus sentimentos, tanto os de arrependimento quanto os de conquista e alegria, que residem em mim sob sol ou chuva, no calor ou no inverno?
Pensar nisso tudo é uma experiência fantástica. Mas diferente de Holden Caulfield, não penso nisso porque sinto que perdi muita coisa. Penso nisso porque sinto é que ganhei muita coisa. Ganho com as experiências, impressões, sensações, nostalgia. Lembranças, realidades fantasiosas, ser homem e também criança, visões de futuro. E a companhia de alguém especial, querida, que é a Flávia e que eu espero que compartilhe sempre caminhadas ao redor de um laguinho, se perguntando junto comigo para onde vão os patos quando chega o inverno...

Wednesday, January 23, 2008

Oração dos Desesperados

"Proteja quem sabe que teve total desprezo pelas próprias virtudes, e em nome do pai e da mãe, aceita quem pede perdão. Acolhe quem vê que as feridas abertas são as mesmas que já magoaram outrora, e em nome de toda amizade, concede o perdão.
Recebe por bem quem renega o passado perverso e se apega ao que já fez de bom, por mais que o exemplo passado se torne o futuro evidente. E em nome do irmão e da irmã apóia quem recusa a luz negra e guia quem busca o sentido da vida, o equilibrio do mundo, quem quer conhecer tanto o cinza, como o preto e o branco.
Orienta quem vê que o mundo é alegre e é triste, afinal é só o mundo real. Enche de fé quem vai até o fim do mundo mas volta, porque todo fim é um novo começo... recomeço fragmentado repleto de sabedoria, esta que não estava perdida, mas talvez esquecida. Ilumina quem crê que assumir os seus atos é um meio de buscar salvação. Em nome dos pais, dos amigos, irmãos e demais seres do mundo, amém."

Friday, January 11, 2008

Ditadura dos Ditados (ou ainda "como colocar ignorância na boca do povo")

Ditados populares são obra milenar. Alguns carregam uma sabedoria sem limite, mas outros são capazes de impor uma barbaridade atrás de outra, dependendo do ponto de vista. Certos ensinamentos não passam de arapuca, e o pior, muitos publicam isso aos quatro ventos, como se compartilhassem virtudes com os que buscam conselhos. Alguns casos beiram o atroz. Vamos a eles:

O ditado: "em terra de cego quem tem um olho é rei"
Nas entrelinhas: domine a informação, não compartilhe nada, use sua sabedoria e/ou vantagem competitiva para se destacar socialmente, reine feito ditador, pinte e borde.

O ditado: "mais vale um pássaro na mão do que dois voando"
Nas entrelinhas: agarre a primeira oportunidade que aparecer na sua vida. Case com sua primeira namorada, tenha apenas um único emprego em toda a vida, nem sequer olhe para a esposa do vizinho. É isso aí mesmo, não se arrisque em nada, não abra mão de nada do que conquistou, aliás nem pense comparativamente, não avalie e engula seco toda insatisfação que sua vida possa lhe causar.

O ditado: "diga-me com quem andas e te direi quem és"
Nas entrelinhas: esse é um clássico. Julgue mesmo, arbitrariamente, seja preconceituoso; não se misture, evite contato social e mostre a todos que o apartheid é aqui. Não admita a possibilidade de se transformar em algo diferente, muito menos a possibilidade de adquirir conhecimento de alguém de posição e/ou opinião diferente da sua.

O ditado: "água mole em pedra dura tanto bate até que fura"
Nas entrelinhas: seja insistente. Mas muito mesmo. Do tipo chato, que exige desconto até no picolé da esquina, que pentelha os outros, que bate o pé feito criança mimada. Se alguém um dia lhe negar algo, conquiste à força. Force a barra mesmo, não tenha o menor bom senso. Deite no chão e role, cause constrangimento.

O ditado: "águas passadas não movem o moinho"
Nas entrelinhas: rasgue seu passado, mostre a todos que você não aprendeu nada com o que passou. Afinal de contas nada do que você já fez influenciou seu futuro, certo? Desconsidere sumariamente qualquer aprendizado, não se apegue à nada referente a isso.

O ditado: "cada macaco no seu galho"
Nas entrelinhas: outro clássico. Um lixeiro nunca poderá se formar em matemática, tampouco um físico poderá escrever livros. Muito bem, vivemos numa sociedade de castas, feudal, onde as abelhas operárias serão operárias o resto da vida. Saiba bem qual é o seu lugar, pois nasceu nele e morrerá nele. Não interfira nem procure aprender nada com a atividade do próximo. Nem tenha empatia, nunca tente se colocar no lugar de alguém, não avalie a situação de ninguém.

Tenha dó! Vamos ao menos ser mais criteriosos! Frases feitas nem sempre carregam o melhor significado e geralmente se aplicam apenas a casos específicos. Alguns ilustram bem o que não devíamos fazer enquanto seres humanos, e só servem para isso mesmo. Mas não dá para sair pagando de sabido proferindo ditados sem a menor consciência. Pelo menos, não esses ditados...

Monday, January 07, 2008

Ligue os Pontos

O Lobão estava na MTV mediando um debate para tentar esmiuçar a diferença (ou a semelhança) entre corrupção e o "jeitinho brasileiro". A discussão chegou à parte alguma a não ser num grande embate de achismos onde se destacavam ofensas e agressão. Em seguida, o filme Seven. Repulsivamente verdadeiro e deprimente, me tirou de circulação por horas à fio após a constatação de que não existem inocentes tampouco atos impossíveis de serem justificados. À parte a diferença que existe entre todos os seres humanos, somos todos iguais em uma coisa: somos todos vítimas dos próprios subterfúgios que inventamos para justificar os nossos atos.
O que somos nós? Fugitivos de nós mesmos, temerosos em assumir erros, amedrontados ao fazer escolhas e sem intelecto suficiente para endossar os próprios valores. O mundo é um grande convite à corrupção. Sim, o "jeitinho brasileiro" também é corrupção pura e, sem entrar no mérito do que é certo ou errado, pecado ou ato legítimo, tudo pode ser justificado se bem arquitetado e é praticamente impossível fugir da tentação de empregar um subterfúgio qualquer para se defender de uma atitude tomada e que nós mesmos reprovamos.
Ligue os pontos: o bandido merece morrer porque é um traficante, mas você fura a fila do cinema. Alguém que rouba porque tem fome está com a razão, mas desviar a verba da merenda escolar parece errado. Você reclama do seu tênis ou relógio roubado mas mesmo assim continua comprando o condicionador que promete que seu cabelo ficará sensacional. Chifra seu namorado porque é despedida de solteiro ou passa o Ano Novo numa barraca com dois caras porque seu marido não te dá atenção, mas acha que forçar alguém a comer até morrer é repugnante. Faz uma falsa carteira de estudante porque o ingresso dos shows é muito caro e sai sem pagar a conta do restaurante, nega a esmola da criança que nunca estudou mas critica a empresa que sonega impostos. Você critica seu colega de trabalho que fica o dia todo na internet, mas você mesmo fica horas ao telefone. Você liga os pontos e o desenho que aparece não é bonito. Não é uma borboleta nem um arco-íris, não é nada. É só o retrato de nós todos.
Somos todos trôpegos em buscar algo que nem sabemos bem o que é, somos todos infelizes por achar que não temos mais a chance de amar, somos todos ignorantes por negar o que nos foi dado. Choramos por achar que não sabemos mais amar, e quando achávamos que sabíamos, acreditávamos que nos faziam chorar por amor... E então? Será que essa busca incessante é o que nos corrompe? Será que é o medo do mundo que nos faz gananciosos? Será que o que nos resta é buscar atalhos, descontar as frustrações enquanto usamos as pessoas, comprar todo o mundo na base do suborno? Será que nossa corrupção é imutável?