Friday, August 03, 2007

Melancolia

Você já parou pra pensar como têm pessoas e/ou coisas que fazem tão parte da nossa vida que a gente nem se dá conta? Contraditório, mas verdadeiro. Lembro bem, tínhamos um cachorro enorme, um dogue alemão imenso; eu pré-adolescente, queria desfrutar do pouco quintal que tínhamos, quintal que era simultaneamente residência do querido cão e meu "parque de diversões". Não funcionava. Foram anos de convivência belicosa, à beira de ataques de nervos. Cachorro grande, sabe como é, baba em tudo, pula, arranha a gente. Mas era dócil. No dia em que ele morreu, chorei aos cântaros. Morreu sozinho, no canto dele, de velhisse, meio surdo e quase cego, mas no canto dele. Parte da casa, e da nossa vida. É um chavão, eu sei, mas parte de mim se foi naquele dia. Morreu em mim a convivência de "infância", o conforto da companhia e de saber que por mais que pouco nos tolerássemos, convivíamos e nos gostávamos. Chorei a dor de quando cai a ficha de que agora é tarde para brincarmos sem se importar com os arranhões.
Temos também a nossa "empregada", se é que se pode dizer isso de uma pessoa que convive em casa há mais de 20 anos. Não temos certeza do seu nome, tampouco entendemos com clareza o que ela fala. Ela estorva, me tira do meu quarto para usá-lo como área de serviço mesmo quando estou dormindo, fala e tagarela com gente que a gente nunca viu e escuta no rádio um chiado inaudível. Reclamei dela por anos a fio. Mas hoje entendo que, quando ela se for, vai fazer falta. E ela, até hoje, conserva o hábito de conversar com nosso finado cachorro. Chega em casa chamando seu nome; e o pior, ela sabe que ele não está lá. Mas fala com ele mesmo assim. É bonito e triste de se ver. O hábito precede o bom senso, e a confiança substitui a intimidade. Nunca fomos próximos e tampouco seremos, dada a mínima convivência que temos hoje em dia. O tempo voa e é implacável. Mas ao passo que eu nem me dei conta da importância desses seres, procuro em mim uma afeição por eles que, nos dias de solidão, me trazem boas recordações. Como a recordação que levo pra sempre do pinheiro, um grande pinheiro que ficava no quintal de uma casa que morei há pelo menos 20 e tantos anos atrás. Desde minha infância o enfeitávamos no Natal, tínhamos um carinho muito grande por aquela árvore que, quando estávamos prestes a nos mudar, foi serrada sob nossos olhos para dar lugar a uma garagem que serviria muito bem aos novos moradores daquela humilde residência.
A vida é assim mesmo, a gente se afeiçoa a pessoas e seres sem termos a chance de escolher e nem mesmo nos damos conta. Ficam as lembranças, o carinho, a vontade de ter dado mais valor a certos momentos. Mas a perda, sob qualquer circunstância, é inevitável. Experimentar a dor da perda é inevitável, resta saber se devemos ou não substituir as lacunas por outras pessoas e seres e coisas que preencherão nossos vazios. Será que vamos nos dar conta quando substituirmos nossos vazios? Devemos deixar que isso faça parte da nossa vida?

4 Comments:

At August 04, 2007 12:24 PM, Blogger Pedrinho said...

Caralhu q texto bom...fiquei realmente muito emocionado qndo li a parte q sua empregada ainda conversa com o Pantro, porra...

Eu acho q CADA PESSOA ou coisa, ou ser(sei lá), que convive(ou conviveu) conosco fazem parte de nossa história, então NÃO HÁ SUBSTITUIÇÕES...e sim novas histórias....

Texto perfeito Lé....

muito bom mesmo...

um grande abraço

 
At August 30, 2007 10:40 PM, Anonymous Anonymous said...

queria comentar alguma coisa legal aki... mas deixa pra outro dia...rs
o texto é ótimo Lé!

bjo

 
At September 25, 2007 9:31 PM, Anonymous Anonymous said...

Veja soh como dominamos o mundo, sempre tem um pinheiro na história e como era de se esperar ele deixa saudades... hahahhah

otimo texto

abrasssss Luizeira

 
At December 07, 2007 5:14 PM, Blogger Unknown said...

Menino, realmente nos habituamos com tudo e todos.
Nada substitui quem contribuiu na construção da nossa história.Cada coisa, cada momento, cada criatura com seu exato valor! Essenciais...
"Êeee saudade"

"Tem saudade e saudação, tem uma parte que não tinha..."(OTM)

(e você menino, tem o dom de nos fazer bem com tanto sentimento!)

 

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