Wednesday, February 03, 2010

A Busca

Procuro entre os normais aquela coisa que todos dizem que tem. A dita cuja felicidade, entre os pais de família, entre as felizes mães e filhas a passear de mãos dadas nos Shopping Centers da alegria, e só o que encontro é a devastação.
Procuro entre os católicos, entre os fervorosos, até mesmo entre os ateus, a certeza da paz absoluta; não é surpresa que é em vão. A felicidade não existe para os que rejeitam pontos de vista alheios a si mesmo.
Procuro então entre os fanáticos, busco a felicidade entre os absolutistas tranquilos da boa paz, e só o que encontro são novos lares igualmente desolados.
Procuro a felicidade entre os casais, entre os cisnes dos lagos, entre os jovens namorados; encontro pois a mágoa, ressentimento, meias palavras e verdades mentidas juradas a esmo. Penso em procurar mais tarde.
Procuro a felicidade entre os governantes, entre os que juraram defender o povo e a civilização. Falsidade ideológica é brincadeira perto das atrocidades que encontro. Felicidade não existe entre os que praticam certos atos.
Procuro a felicidade entre os alcoótras, entre os drogados, entre todos os dejetos rejeitados, e só o que encontro é a debilidade de punhos cerrados, a violência gritando peito a peito que não se leva desaforo para casa.
Procuro a felicidade entre os estranhos, a se esbarrar num bar qualquer, numa banda de forró, de heavy metal ou num programa de auditório, e só o que vejo é a velha farsa de sempre, segunda-farsa, terça-farsa, quarta-farsa, quinta-farsa, sexta-farsa, e a farsa suprema chamada final de semana, já ouviu falar de sábado e domingo? O domingo: o dia santo, dia de descanso, onde só existe o medo de uma nova farsa começar.
Procuro a felicidade entre os soldados, esses guerreiros solitários embuídos do desejo de matar, saúdem a violência!, e vejo que ganhar não leva a nada, a disputa sempre dói - ainda mais - nos vencedores.
Procuro a felicidade em minhas entranhas, aquelas que blindei com dor e pena, piedade, Deus, deste que tem medo de si mesmo, daquele que teme descobrir que felicidade implica em sentir dor.
Conta-me, pois, por que diabos cada escolha é uma vergonha, cada passo é um cadafalço, donde estás a terra prometida, de quando minhas balsas só seguiam a navegar os meios-fios regados à enxurrada das chuvas criadeiras, diferentes das de hoje, cujos ventos levam a segurança para o além, donde nenhum homem jamais vai voltar?
Conta-me, por que é que cada escolha é recebida com uma salva de balas, de chumbo ou de borracha, menos das de palmas, pois não se aplaude o fracasso auto-implicado, o implacável, que coloca cada um na sua balsa, balsas feitas de palitos felizes de sorteves, saiba de antemão que sempre há uma ribanceira logo à frente. O mundo inteiro faz escolhas erradas o tempo todo e mesmo assim cada um quer defender a sua razão e seus porquês.
Cada palavra uma sentença, uma vingança, saco do fundo do poço o rebate perfeito para esta situação. São casamentos, eleições, contratações e demissões, compras e/ou dívidas, cobranças ou juras de amor, tanto faz, na saída pague a conta, mas, surpresa! Já não há mais saída. Ajoelhou tem que rezar, cava a própria cova enquanto sustenta a própria pá. A sua cria é um entulho que você tem que cuidar.
Procuro finalmente entre os defuntos aquela cruel felicidade. Do mundo de lá, também dizem que felicidade não há. Quem já foi, se foi, e o que ficou só preserva o desejo egoísta de algum dia alguém voltar.
Não há satisfação em desejar estar também, na próxima viagem, rumo ao além, nem em querer rever alguém, quem já se foi, quem vai voltar, se vai voltar não sei, mas nem assim há o sorriso dos contentes. Outra balsa lá se foi, deixou-me um bilhete bem assim, que ainda não é hora, você tem que suportar. Um dia ou farsa de cada vez, entre os normais, entre os católicos, (des)crentes, militares, amantes, bêbados ou drogados. Entre os humanos, com suas farsas, dores e desejos, ainda assim humanos, em balsas solitárias cheias de razão, mas vazias de perdão.

Monday, February 01, 2010

E isso é só o Fim*

Escutei de longe aqueles gritos da loucura e sim, aquele dia santo chegara de novo. A despeito do almoço campal, dias antes, em companhia dos astutos macacos, o clima geral que se sentia era o de quem se resigna ao saber-se ganhar um pacote de carvão pela trigésima vez. Apesar de saber que, bem, em anos anteriores, em tal data existira só alegria, paz e união, ao contrário da presença das irmãs Consolação e Tristeza. Mais um ano chegou ao fim.
Um ano onde Belchior tornou-se Narciso e foi se olhar num espelho d'água, que Baltazar parou para mijar e que Gaspar perdeu-se no caminho. Aquele foi o derradeiro dia de um ano em que nenhum Rei Mago chegou à tempo, e só uma cabra, uma ovelha e um camelo vieram visitar o menino Jesus.
Um derradeiro dia de descobertas, dia de presentear alguém que se gosta com algo que só interessaria a você mesmo, de perceber que a própria solidão de alguns - cultivada com o esmero de um ourives - para um velho amigo é por escolha própria muito mais importante do que compartilhar qualquer coisa, ainda que o que haja para se compartilhar seja a tristeza ou o fato de que uma caixa de lápis de cor pode ainda (felizmente) falar mais alto à alma do que possuir uma casa em veraneio.
Um dia que afinal findou, não sem dor ou desespero, onde precisei ser lembrado de olhar para a Lua mesmo que outrora tivesse sido eu a lembrar Pessoa Querida de assim o fazer.
Escutei de novo, ao longe, aqueles gritos da loucura e um súbito e silencioso pânico tornou a brotar dentro de mim. Ontem foi o Natal, e hoje, o que será?

* Ô crianças, isso é só o fim, isso é só o fim (Só o Fim - Marcelo Nova e Camisa de Vênus)