Tuesday, October 13, 2009

Mundo Paralelo

Num mundo paralelo, há um governo quase oculto, formado só por tias e avós. Elas descumprem todas as regras impostas pelas mães e todo mundo pode comer doce, bala e chocolate antes das refeições; se aprende a falar palavrão desde cedo e o bacon não faz mal.
As rádios só tocam Mercury Rev e Guillemots, os Flaming Lips lançam um disco novo por semana. E a cada nova audição, você divinamente se aproxima mais do céu, da iluminação e do pleno entendimento das causas humanas.
A televisão só reprisa Anos Incríveis, Castelo Rá-tim-bum, Chaves, e no cinema todo dia é reestreia de toda a saga Star Wars e Senhor dos Anéis.
Machado de Assis, Fernando Pessoa, Neruda, Drummond, Mark Twain e Lewis Carroll são realmente imortais e tomam café da manhã todos os dias com as pessoas, então ninguém nunca mais precisa ler o jornal. Saber as notícias do mundo pela voz dos escritores é como ter a poesia dentro de si. O mundo real ganha cor e fantasia.
Ninguém tem ciúmes do Orkut nem clica em e-mails cheios de vírus que prometem ajudar alguém bonzinho; todos os e-mails contendo spam do mundo todo são misteriosamente redirecionados para todas as pessoas cujo sobrenome é Sarney.
Conhecer pessoas é mais fácil do que nunca pois ninguém tem motivos para ser mesquinho, para não ser honesto ou verdadeiro.
Os quadrinhos do Laerte ilustram outdoors e ninguém interrompe o seu almoço com telefonemas desimportantes de trabalho.
As religiões não cobram dízimo e a cada ser vivo é dado o direito irrefutável de acreditar no que quiser. Viajar em turma é bem mais fácil e discutir é prazeroso, pois ninguém leva nada para o lado pessoal. Buda, Alá, Deus, Maomé, Jesus Cristo, Thor, Galactus e o Ultraman estão todos numa mesa de bar, bebendo hidromel e aquavit enquanto caçoam daqueles tempos em que os humanos destruíam prédios em nome das religiões.
Num mundo paralelo é obrigatório ter um hobby, um lazer e um passa-tempo, e de tempos em tempos é permitido abandoná-los todos sem culpa, engavetar os projetos e nada fazer.
Aos animais, é dada a honra máxima que pode ser adquirida num planeta como a Terra: o direito de andar livremente entre os mortais, sem medo de serem feridos ou maltratados, pois afinal de contas isso aqui sempre foi, acima de tudo, deles.
E ninguém tem medo de ser feliz ou de contar isso para todos, porque ter medo da inveja alheia já é coisa do passado.

Tuesday, October 06, 2009

Todo Homem

Os prédios residenciais eram tão altos que cada translado entre o solo e um apartamento durava pelo menos quinze minutos. E isso porque a tecnologia avançara tanto que o emprego de sistemas pneumáticos, à vácuo e a hidrogênio já não era novidade, nem mesmo para os elevadores.
Cada cidadão tinha direito ao seu próprio elevador. As pessoas chegavam do trabalho em seus carros blindados com ar-condicionado, frigobar e filtro UV, os estacionavam de frente ao aparelho e o tomavam, de modo que cada elevador desembocava direto na sala de estar do apartamento do morador.
Conforto? Não. Era necessário, afinal depois que o tempo livre se tornou tão escasso a ponto de se valorizar mais do que ações imaginárias na Bolsa de Valores, as pessoas faziam qualquer coisa por uns minutos livres a mais.
Em um mundo onde o trânsito consumia pelo menos 4 horas diárias dos seres humanos, os elevadores pessoais cujas viagens duravam 15 minutos logo se tornaram também lavanderias e banheiros com chuveiro. O cidadão entrava, se despia - automaticamente depositando as roupas na lavanderia particular - e tomava banho antes mesmo de chegar ao apartamento. No dia seguinte, as roupas estavam limpas e secas para serem utilizadas novamente.
Já não haviam mais casas com quintal; nem casas. Não haviam banhos demorados. Não haviam varais com roupas velhas, nem brinquedos que não fossem digitais, nem mesmo brinquedos físicos: eram todos projeções, pois a falta de espaço era implacável. Não havia contato pessoal, jamais. Afinal, todos achavam o mundo perigoso. Qualquer ser humano era uma ameaça em potencial. Pudera, se nem mesmo no elevador encontrávamos mais com as pessoas. Os relacionamentos, esses sim, eram sempre agendados por alguma rede social online. Sempre acompanhados por um mediador.
Aquele mundo onde todo homem deveria plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho já havia ficado para trás há muito tempo. Naquele tempo, os homens já tinham adaptado este provérbio para algo muito mais atual, como se para todo homem, plantar uma floreira, escrever num blog ou no Twitter e cuidar de um bichinho virtual fosse justamente o suficiente.