Wednesday, April 30, 2008

Bons e Velhos Tempos

Lembro bem, seguindo em diante logo após a curva da Pedra Criminosa, ficava a minha fonte da juventude, que sempre me enchia de brilho os olhos. Tanto o sol quanto a chuva lavavam minh'alma assim que divisava sua silhueta sinuosa por entre montes verdes e pastagens. Sei também que muitos outros a procuraram, a maioria sem sucesso. A minha fonte da juventude precisava querer ser achada para que conseguissem chegar até ela. Vai ver, é por isso que para mim seu caminho nunca tenha sido um segredo.
Assim como a Terra do Nunca escolhia seus visitantes, aquela cidade me escolheu. A Cidade do Nunca era também a Cidade do Sempre, às vezes se resumindo simples e carinhosamente sob a alcunha de Lar do Talvez, onde o vento no rosto sempre foi mais importante que a segurança e a fé na vida sempre garantiu grandes momentos vividos. Mas, de fato, é o seu lugar no mundo que tem a opção de te escolher, e é você quem tem a honra de aceitar. Nunca o contrário. E aquela cidade se abriu para mim como nunca nenhum outro lugar se abriu. Jamais me importou o tamanho do mundo, sempre era lá que eu queria estar.
Por vezes cheguei até minha cidade querida pensando se nela ainda haveria um lugar para mim. Tantas outras vezes voltei de lá questionando por quê é que ela havia permitido que eu cometesse atitudes sem que eu estivesse realmente inclinado a agir. Só depois entendi que o que aquela cidade queria de nós era que fôssemos vívidos, românticos, crianças e poetas. Seres humanos, crianças que vivem, que andam, que erram, que perdem amigos e irmãos, que brincam, que tocam as pessoas, que se importam, que vão e voltam outra vez, com saudade na ida e na volta, com alegria e tristeza de vitória e de perda, mas com a coragem e com o dom da mudança nas mãos.
As válvulas de escape lá não tinham valor; a vida era tanta, feito num grande quintal de uma fazenda de férias. Aquilo era a vida, não a labuta diária dos que estavam distantes da minha capital de paixão, mas sim a presença de espírito, o sol a raiar nas manhãs frias ao lado dos amigos e entes queridos, entre goles de café, planos para hoje e conversas de ontem, com um pé na soleira e um pé na calçada...
A saudade às vezes se mistura à nostalgia. Lembro também dos casais que chegavam das festas trazendo o pão nosso para amenizar a encrenca prestes a se formar, sabidamente, pelo avançado horário com que voltavam para casa; mas isso nunca era o bastante para recusar a brincadeira com os cachorros na rua ou o aceno amarelo para a vizinha xereta. E é essa intensa presença que às vezes surge como magia, uma sensação de perda, que apesar de parecer controversa, é o que faz a gente desejar ser melhor, algo mais puro, até mais sensato, e, por que não dizer, ser mais do mesmo, de novo?
Do alto do morro o Cruzeiro nos dava bom-dia, e a tristeza da distância hoje me traz a lembrança das portas se abrindo, como a recepcionar quem há muito não marcava presença. Casa cheia e festiva, repleta de vida a me esperar. Causas que abracei de corpo e de alma, pois sempre o presente me fora mais precioso que o futuro. Uma escola de vida, de amigos de infância, brincadeiras de rua, descobertas e insensatez. Dores de perdas eu aprendi a superar, lembro bem desses tempos, perdendo o que me era mais caro. O respeito pelas diferenças e pelas próprias virtudes aprendi nas sarjetas dessa fonte de convivência mundana. Todas essas lembranças, hoje guardo junto às que ainda não tive e que certamente ainda terei, pois enquanto existir no mundo um lugar chamado Jacarezinho, existirá o lugar que chamo de lar.

*Esta é uma homenagem particular a todos que fizeram, fazem e ainda farão parte de um lugar e de uma vida mais do que abençoados por Deus. Texto escrito ao som de Léo, música de Milton Nascimento simplesmente imperdível e que carrega consigo um certo sentimento de devoção à vida, à vivência, aprendizado e lugar de origem.

Tuesday, April 29, 2008

A Longa Marcha

Quero sentir a saudade do começo latente, dos dias de luz onde tudo era mágico. Quero sentir novamente o sabor da conquista, da presença de espírito e das risadas marotas. Queria querer sentir novamente as minhas verdades no coração, as certezas sentidas mesmo que incertas, aquelas que anulam a razão e te fazem querer ser melhor. Queria conseguir acreditar em mim mesmo, pensar num abraço vindouro como uma volta para casa, de fato uma volta às origens. Mas assim como todos, também faço parte de uma corja de mentecaptos; para nós o tempo da sabedoria se foi. No fundo do poço há uns poucos heróis e o nosso resgate foi planejado com uma corda curta demais. Os que conseguem alcançá-la e subir até que conseguem viver, ainda que imersos em um mundo hipócrita e mentiroso.
Daqui do fundo do poço quero saber se ainda dá tempo para ser um exemplo, mesmo sendo falível, porque ter de sempre acertar é sufocante demais. Tem gente que diz que não entende mas também não se esforça para entender. Ser herói não é resolver os problemas dos outros. Tampouco ser infalível. Ser herói é descer aqui embaixo, bem perto do inferno, sem nem mesmo saber se um dia poderá (ou se vai mesmo querer) fazer o caminho de volta. É enfrentar a si mesmo cara a cara no espelho e dizer eu te odeio, mesmo sabendo que, no fundo, dá pra dizer eu te amo.
Mesmo assim queria enxergar novamente que o mundo é grande demais, por mais que costumasse ser ainda maior. Queria entender que a inquietação e a vontade do improviso fazem parte também dos dias comuns, por mais que haja cada vez menos o que se desfrutar. E quero conseguir não desistir por mais que o sol um dia se apague, por mais que a luz que ilumine seja a mesma que cegue. Quero marchar, ainda que o destino seja igual à origem. Quem vive eternamente no fundo de um poço sabe que não tem muito para onde ir, mas sabe também que é no fundo do poço que a vida de verdade acontece. E essa vida, aqui embaixo, é feita de esperança, lembrança e propósito, pois aqui embaixo se sabe que o sim e o não contentam em igual medida.

Thursday, April 03, 2008

Andarilho

Vai andarilho, segue viagem rumo ao outono, onde tudo é mudança e nada é tão certo.
Tua vida se abre a cada folha que cai.
Acredita no brilho da estrela, esperança da vida, enfrenta rio, frio e calor.
Mas ruma ao outono.
Folha que cai para outra nascer, mundo de luz, viagem sem volta.
Vai andarilho. Busca palha no agulheiro, segue viagem e não olha pra trás. Acredita pois que dois pássaros que voam valem mais que um na mão.
Pois assim se voltar poderás sempre recomeçar.